O
filme A Menina Que Roubava Livros, dirigido por Brian Percival, é uma adaptação
do livro do mesmo título do escritor Markus Zusak, nascido em 23 de Junho de
1975, em Sydney, Austrália. Autor de obras como; Eu sou o mensageiro (2002), A
garota que eu quero (2001), entre outros, Markus obteve o Prêmio Livro do Ano
para Leitores mais Velhos, doado pelo conselho Australiano de Livros infantis.
Nessa
obra, relata com lucidez, dando ênfase no poder das palavras e sua importância
para o ser humano, uma interessante história, onde a narradora um tanto
misteriosa, a morte (Roger Allam), remota ao ano de 1938, na Alemanha. Ao mesmo
tempo em que cenário respira os ares da Segunda Guerra Mundial, a coragem e
determinação da jovem Liesel Memiger (Sophie Nélisse), que luta por uma
incontrolável fome pela leitura, são fortemente testadas.
Tudo
começa com um trem, um pouco de neve, a morte do irmão e um livro chamado “O
Manual do Coveiro”, o primeiro de muitos roubados pela garota. Separada dos
pais, Liesel vai parar numa rua chamada Paraíso, onde um homem com coração de
acordeão e uma mulher com um manto de tempestade, Hans Hubermann (Geoffrey
Rush) e Rosa Hubermann (Emily Watson), tornam-se seus pais adotivos. Presa em
seu mundo, Liesel aparenta ser uma menina solitária, e começa a adaptar-se aos
poucos a sua nova vida.
Como
não sabe ler e escrever, seu primeiro dia de aula não é dos melhores, pois se
torna alvo de piadas e acaba brigando com Franz Deutscher, em compensação,
conhece Rudy Steiner (Nico Liersch), o garoto do cabelo loiro da cor do limão,
seu melhor amigo, no qual encontra a lealdade e o amor com o passar do tempo.
Liesel
toma o desejo pela leitura quando começa a aprender a ler, juntamente com seu
pai, O Manual do Coveiro. Ao terminar a leitura, é presenteada como um
dicionário, um espaço separado no sótão para ela sobrepor ali as palavras
descobertas. Quem não gostaria de ter seu próprio dicionário? Deparar com um
mundo novo? E escrever seu próprio roteiro? Liesel adorara a ideia.
O
que torna esse filme atraente é a força em lutar pelo que se acredita. Em uma
época em que o nazismo imperava na Alemanha, a liberdade de expressão era
inaceitável, libertar da sujeira intelectual seria deixar de lado toda e
qualquer forma de criar e evoluir, participar de um regime que negava a
diferença racial, a escolha de religião e política, mas principalmente extraía
o livre arbítrio, de ler e expressar em palavras o que se tivesse vontade.
Mesmo assim, isso não impediu Max de defender sua religião, Rudy de pintar-se
de preto e correr tão rápido quanto Jesse Owens, Liesel de refugiar-se nas
palavras enquanto seu mundo estava em caus.
Era abril de 1939, o aniversário do Fuhrer, a
bandeira vermelha representava lealdade. Naquela noite, a praça era ocupada por
uma montanha de livros e um discurso fazia as pessoas gritarem pela destruição
das correntes que os condenavam à escravidão, do aniquilamento daquilo que os
privava de uma aderência intelectual, a ruína da literatura, filmes e teatro, o
fim dos plutocratas, judeus e comunistas. Mas isso não doía tanto no coração de
Liesel quanto a ver tudo aquilo que havia aprendido a amar sendo destruído
completamente pelas chamas abrasadoras da revolução, e pior que isso, fazer
parte daquilo.
No final, a fumaça cobria os arredores,
a rua se encontrava solitária, apenas com a presença de Liesel e a mulher do
prefeito, que observava de longe, enquanto a menina pegava o livro um pouco
chamuscado, um sobrevivente, á propósito, o mais comovente de seus roubos. Não
demorou muito para Hans perceber que Liesel escondia um livro, a fumaça a
entregara, este nomeado “O Homem Invisível” seria a nova aventura desvendada por
eles.
Naquela mesma noite, Max chega à casa
dos Hubermann mencionando um acordeão, presente de seu pai à Hans, em suas mãos
segurava um livro, uma tentação para a menina que sentia uma curiosa vontade de
desvendar suas páginas. Doente, recebe os cuidados de Rosa e passa aos poucos
se afeiçoar a Liesel, que promete guardar segredo de sua presença.
Ao visitar a casa do prefeito para
entregar roupas, a menina depara-se com uma biblioteca enorme. Ilsa, a esposa do
prefeito, se torna sua amiga ao deixá-la mergulhar em mundos jamais vistos,
guardados nas estantes empoeiradas, que dava ao dicionário de Liesel o espaço
para novas aventuras, novas palavras aos seus olhos deslumbrados.
Como diz Aristóteles, a memória é o escriba da alma
e na alma de Liesel as palavras dançavam alegremente, faziam parte dela. Mesmo
quando descoberta pelo prefeito e impedida de buscar sua liberdade nas
entrelinhas das páginas, não desistia de alimentar esse anseio. Livros são tesouros,
carregadores de sonhos e enquanto a Alemanha caminhava diretamente para morte,
ela mantinha vivos os sonhos.
Ser desafiada por Max a deixar os olhos falarem, fez
com que reconhecesse sua capacidade de enxergar as palavras nas coisas a sua
volta, de criar janelas quando não se pode abri-las, expressar o espírito de
natal em dias desgostosos com apenas um punhado de neve, mas que isso,
deixar-se levar por suas ideias. “Escreva”, era a palavra escrita no livro em
branco presenteado por Max, cada criatura da face da terra tinha a palavra
secreta da existência e em Liesel não era diferente, as palavras são vida, ela
só precisava colocá-las no papel.
Max adoece e Liesel se ver responsável
em lhe manter vivo, lia todos os dias para ele, direcionava ao amigo as palavras
encantadas de forma que ele pudesse manter a respiração, para isso roubava
livros na casa do prefeito, daí se dar o sentindo do título da obra. Em uma
dessas façanhas, é descoberta por Rudy, conta a ele sobre os livros, o hóspede,
e descobre nele a confiança no momento que defende seu diário das mãos de Franz
Deutscher, o tirando do lago gelado.
Durante uma partida de futebol, a garota
percebe que os guardas estão fiscalizando os porões e um acidente forjado faz
com que avise seus pais a tempo de esconder o visitante. Max acorda e durante
um ataque aéreo, enquanto 10.000 almas escondiam em porões com medo, lá estava
ele, no meio da rua escura, agradecendo a Deus pelas estrelas que iluminava
seus olhos, pela liberdade momentânea.
Em um período em que Max vai embora,
Rudy é selecionado para um treinamento de elite e seu pai é recrutado, Liesel
se ver totalmente perdida e insegura, sente- se abandonada, todos aqueles que
amam estão partindo. Em uma tarde onde o sol espelhava no lago com as folhagens
dançando a melodia dos ventos, no som das águas acompanhado pela orquestra dos
pássaros, na companhia de Rudy, grita com o coração, “Eu odeio Hitler” e essa
harmonia expressa o desejo de escolha ao qual queria decidir por si só, em seus
gritos percebia-se o aroma de alívio.
As bombas caiam com mais frequência, no
abrigo, ao ver aquelas pessoas assustadas Liesel sentiu que as palavras não
deveriam ficar presas em sua memória, mas repartidas e espalhar vida aos
sedentos dela, então, a princípio com receio, começa a narrar “O Homem
Invisível”, acalmando assim os corações assustados.
A menina sentia falta do amigo, lembrava
de Max a todo instante, ao ver um grupo de Judeus sendo capturados temia o fato
de ele estar ali, não podia esquecê-lo. Pode-se imaginar seu sorriso estampado
no rosto quando viu seu pai voltando para casa, de agora não se sentir tão
abandonada assim, no fundo, eles se pareciam, tinham a mesma essência, tudo o
que passaram e fizeram tinha algum motivo e isso deu razão suficiente para
Liesel começar a escrever.
Ninguém queria destruir a Rua Paraíso,
foi um erro no mapa. Naquela noite não houve sirenes, as bombas caiam, e no
fim, somente Liesel sobrevivera. Poupada outra vez pela morte, ainda teve tempo
de ouvir as últimas palavras de Rudy, desejar tê-lo beijado antes fez com que um
beijo de adeus fosse indispensável.
De longe, avistara a mulher do prefeito
e sentiu-se outra vez acolhida. Dois anos decorreram, as tropas americanas
haviam ocupado a Alemanha, o tempo ruim havia findado e Liesel finalmente reencontrara
Max, podia sentir de longe a emoção, a alegria, o alívio, de certa forma já
esperado.
Do mesmo estúdio de As aventuras de Pi,
o filme reproduz a belezas das cenas. Os detalhes cenográficos na destruição e
nos destroços da Rua Paraíso, muito reais por sinal, acompanhada com a
sonorização mórbida da trilha de John William cativam completamente. As cores
da bandeira, as vestimentas, tudo em conjunto faz com que o público se
teletransporte no tempo e vivam as cenas ao lado dos personagens, desde as
risadas distraídas de Liesel e Rudy ao sofrimento de inocentes que lutavam pela
sobrevivência.
A maneira como Markus em um contexto
histórico conseguiu elevar a necessidade pela leitura, fascina
descontroladamente. Apenas em ver nos
olhos de Liesel essa paixão intensa, sentir seus medos, sua insegurança e
principalmente a percepção diferente das coisas, faz com que o gosto pela
leitura e escrita restaure no descrever do mundo com suas próprias palavras, em
recriar com diferença o existente.
Lançado em 8 de Novembro de 2013, o
drama direcionado ao público infanto-juvenil no roteiro de Michael Petroni, A
Menina Que Roubava Livros, um filme com um sotaque alemão, conquistou seu
espaço no coração de muitos, principalmente em amantes da história nazista e
literária, ambas espontâneas no filme.
O fato que ninguém vive para sempre
fez com que Liesel soubesse sabiamente viver seus 90 anos, as inúmeras pessoas
que cruzaram seu caminho e que emocionaram com suas histórias entendem o que
sua presença despertava. Uma coisa é certa... Sempre vai ser encontrada nas
palavras, ela sempre viverá nelas.
A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS. The Book Thef. Direção: Brian Percival. Roteiro:
Michael Petroni. Produção: Fox 2000 Pictures, Studio Babelsberg, Sunswept
Entertainment, The Blair Partnership, TSG Entertainment, Alemanha, 1938-1945. EUA-
Alemanha, Fox Film do Brasil, 2013. DVD (131 Min.), color.