segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

A Menina que Roubava Livros



O filme A Menina Que Roubava Livros, dirigido por Brian Percival, é uma adaptação do livro do mesmo título do escritor Markus Zusak, nascido em 23 de Junho de 1975, em Sydney, Austrália. Autor de obras como; Eu sou o mensageiro (2002), A garota que eu quero (2001), entre outros, Markus obteve o Prêmio Livro do Ano para Leitores mais Velhos, doado pelo conselho Australiano de Livros infantis.
Nessa obra, relata com lucidez, dando ênfase no poder das palavras e sua importância para o ser humano, uma interessante história, onde a narradora um tanto misteriosa, a morte (Roger Allam), remota ao ano de 1938, na Alemanha. Ao mesmo tempo em que cenário respira os ares da Segunda Guerra Mundial, a coragem e determinação da jovem Liesel Memiger (Sophie Nélisse), que luta por uma incontrolável fome pela leitura, são fortemente testadas.
Tudo começa com um trem, um pouco de neve, a morte do irmão e um livro chamado “O Manual do Coveiro”, o primeiro de muitos roubados pela garota. Separada dos pais, Liesel vai parar numa rua chamada Paraíso, onde um homem com coração de acordeão e uma mulher com um manto de tempestade, Hans Hubermann (Geoffrey Rush) e Rosa Hubermann (Emily Watson), tornam-se seus pais adotivos. Presa em seu mundo, Liesel aparenta ser uma menina solitária, e começa a adaptar-se aos poucos a sua nova vida.
Como não sabe ler e escrever, seu primeiro dia de aula não é dos melhores, pois se torna alvo de piadas e acaba brigando com Franz Deutscher, em compensação, conhece Rudy Steiner (Nico Liersch), o garoto do cabelo loiro da cor do limão, seu melhor amigo, no qual encontra a lealdade e o amor com o passar do tempo.
Liesel toma o desejo pela leitura quando começa a aprender a ler, juntamente com seu pai, O Manual do Coveiro. Ao terminar a leitura, é presenteada como um dicionário, um espaço separado no sótão para ela sobrepor ali as palavras descobertas. Quem não gostaria de ter seu próprio dicionário? Deparar com um mundo novo? E escrever seu próprio roteiro? Liesel adorara a ideia.
O que torna esse filme atraente é a força em lutar pelo que se acredita. Em uma época em que o nazismo imperava na Alemanha, a liberdade de expressão era inaceitável, libertar da sujeira intelectual seria deixar de lado toda e qualquer forma de criar e evoluir, participar de um regime que negava a diferença racial, a escolha de religião e política, mas principalmente extraía o livre arbítrio, de ler e expressar em palavras o que se tivesse vontade. Mesmo assim, isso não impediu Max de defender sua religião, Rudy de pintar-se de preto e correr tão rápido quanto Jesse Owens, Liesel de refugiar-se nas palavras enquanto seu mundo estava em caus.
Era abril de 1939, o aniversário do Fuhrer, a bandeira vermelha representava lealdade. Naquela noite, a praça era ocupada por uma montanha de livros e um discurso fazia as pessoas gritarem pela destruição das correntes que os condenavam à escravidão, do aniquilamento daquilo que os privava de uma aderência intelectual, a ruína da literatura, filmes e teatro, o fim dos plutocratas, judeus e comunistas. Mas isso não doía tanto no coração de Liesel quanto a ver tudo aquilo que havia aprendido a amar sendo destruído completamente pelas chamas abrasadoras da revolução, e pior que isso, fazer parte daquilo.
No final, a fumaça cobria os arredores, a rua se encontrava solitária, apenas com a presença de Liesel e a mulher do prefeito, que observava de longe, enquanto a menina pegava o livro um pouco chamuscado, um sobrevivente, á propósito, o mais comovente de seus roubos. Não demorou muito para Hans perceber que Liesel escondia um livro, a fumaça a entregara, este nomeado “O Homem Invisível” seria a nova aventura desvendada por eles.
Naquela mesma noite, Max chega à casa dos Hubermann mencionando um acordeão, presente de seu pai à Hans, em suas mãos segurava um livro, uma tentação para a menina que sentia uma curiosa vontade de desvendar suas páginas. Doente, recebe os cuidados de Rosa e passa aos poucos se afeiçoar a Liesel, que promete guardar segredo de sua presença.
Ao visitar a casa do prefeito para entregar roupas, a menina depara-se com uma biblioteca enorme. Ilsa, a esposa do prefeito, se torna sua amiga ao deixá-la mergulhar em mundos jamais vistos, guardados nas estantes empoeiradas, que dava ao dicionário de Liesel o espaço para novas aventuras, novas palavras aos seus olhos deslumbrados.
Como diz Aristóteles, a memória é o escriba da alma e na alma de Liesel as palavras dançavam alegremente, faziam parte dela. Mesmo quando descoberta pelo prefeito e impedida de buscar sua liberdade nas entrelinhas das páginas, não desistia de alimentar esse anseio. Livros são tesouros, carregadores de sonhos e enquanto a Alemanha caminhava diretamente para morte, ela mantinha vivos os sonhos.
Ser desafiada por Max a deixar os olhos falarem, fez com que reconhecesse sua capacidade de enxergar as palavras nas coisas a sua volta, de criar janelas quando não se pode abri-las, expressar o espírito de natal em dias desgostosos com apenas um punhado de neve, mas que isso, deixar-se levar por suas ideias. “Escreva”, era a palavra escrita no livro em branco presenteado por Max, cada criatura da face da terra tinha a palavra secreta da existência e em Liesel não era diferente, as palavras são vida, ela só precisava colocá-las no papel.
Max adoece e Liesel se ver responsável em lhe manter vivo, lia todos os dias para ele, direcionava ao amigo as palavras encantadas de forma que ele pudesse manter a respiração, para isso roubava livros na casa do prefeito, daí se dar o sentindo do título da obra. Em uma dessas façanhas, é descoberta por Rudy, conta a ele sobre os livros, o hóspede, e descobre nele a confiança no momento que defende seu diário das mãos de Franz Deutscher, o tirando do lago gelado.
Durante uma partida de futebol, a garota percebe que os guardas estão fiscalizando os porões e um acidente forjado faz com que avise seus pais a tempo de esconder o visitante. Max acorda e durante um ataque aéreo, enquanto 10.000 almas escondiam em porões com medo, lá estava ele, no meio da rua escura, agradecendo a Deus pelas estrelas que iluminava seus olhos, pela liberdade momentânea.
Em um período em que Max vai embora, Rudy é selecionado para um treinamento de elite e seu pai é recrutado, Liesel se ver totalmente perdida e insegura, sente- se abandonada, todos aqueles que amam estão partindo. Em uma tarde onde o sol espelhava no lago com as folhagens dançando a melodia dos ventos, no som das águas acompanhado pela orquestra dos pássaros, na companhia de Rudy, grita com o coração, “Eu odeio Hitler” e essa harmonia expressa o desejo de escolha ao qual queria decidir por si só, em seus gritos percebia-se o aroma de alívio.
As bombas caiam com mais frequência, no abrigo, ao ver aquelas pessoas assustadas Liesel sentiu que as palavras não deveriam ficar presas em sua memória, mas repartidas e espalhar vida aos sedentos dela, então, a princípio com receio, começa a narrar “O Homem Invisível”, acalmando assim os corações assustados.
A menina sentia falta do amigo, lembrava de Max a todo instante, ao ver um grupo de Judeus sendo capturados temia o fato de ele estar ali, não podia esquecê-lo. Pode-se imaginar seu sorriso estampado no rosto quando viu seu pai voltando para casa, de agora não se sentir tão abandonada assim, no fundo, eles se pareciam, tinham a mesma essência, tudo o que passaram e fizeram tinha algum motivo e isso deu razão suficiente para Liesel começar a escrever.
Ninguém queria destruir a Rua Paraíso, foi um erro no mapa. Naquela noite não houve sirenes, as bombas caiam, e no fim, somente Liesel sobrevivera. Poupada outra vez pela morte, ainda teve tempo de ouvir as últimas palavras de Rudy, desejar tê-lo beijado antes fez com que um beijo de adeus fosse indispensável.
De longe, avistara a mulher do prefeito e sentiu-se outra vez acolhida. Dois anos decorreram, as tropas americanas haviam ocupado a Alemanha, o tempo ruim havia findado e Liesel finalmente reencontrara Max, podia sentir de longe a emoção, a alegria, o alívio, de certa forma já esperado.
Do mesmo estúdio de As aventuras de Pi, o filme reproduz a belezas das cenas. Os detalhes cenográficos na destruição e nos destroços da Rua Paraíso, muito reais por sinal, acompanhada com a sonorização mórbida da trilha de John William cativam completamente. As cores da bandeira, as vestimentas, tudo em conjunto faz com que o público se teletransporte no tempo e vivam as cenas ao lado dos personagens, desde as risadas distraídas de Liesel e Rudy ao sofrimento de inocentes que lutavam pela sobrevivência.
A maneira como Markus em um contexto histórico conseguiu elevar a necessidade pela leitura, fascina descontroladamente.  Apenas em ver nos olhos de Liesel essa paixão intensa, sentir seus medos, sua insegurança e principalmente a percepção diferente das coisas, faz com que o gosto pela leitura e escrita restaure no descrever do mundo com suas próprias palavras, em recriar com diferença o existente.
Lançado em 8 de Novembro de 2013, o drama direcionado ao público infanto-juvenil no roteiro de Michael Petroni, A Menina Que Roubava Livros, um filme com um sotaque alemão, conquistou seu espaço no coração de muitos, principalmente em amantes da história nazista e literária, ambas espontâneas no filme.
O fato que ninguém vive para sempre fez com que Liesel soubesse sabiamente viver seus 90 anos, as inúmeras pessoas que cruzaram seu caminho e que emocionaram com suas histórias entendem o que sua presença despertava. Uma coisa é certa... Sempre vai ser encontrada nas palavras, ela sempre viverá nelas.




A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS. The Book Thef. Direção: Brian Percival. Roteiro: Michael Petroni. Produção: Fox 2000 Pictures, Studio Babelsberg, Sunswept Entertainment, The Blair Partnership, TSG Entertainment, Alemanha, 1938-1945. EUA- Alemanha, Fox Film do Brasil, 2013. DVD (131 Min.), color.